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Experiências, tendências e sustentabilidade em evento – CASACOR

by rafaelteoc

Darlan Firmato*

 

“Se pensamos no que é realmente sustentável,
o único modelo real que tem funcionado
por longos períodos é o mundo natural.”

Janine Benyus

 

Mais do que uma macrotendência global, o bem-estar virou prioridade no cotidiano de milhares de pessoas nesses tempos de pandemia. Cuidados com a saúde física e mental substituíram as preocupações com a boa aparência. A pandemia também acelerou mudanças no consumo, seja a busca de consumidores por soluções mais holísticas, que envolvem maior consciência ambiental, seja a adoção de produtos e marcas comprometidas com o tema.   

Grandes mudanças não ocorrem da noite para o dia. Portanto, repensar práticas, hábitos de consumo e sistemas produtivos requer um esforço conjunto que envolve muito mais do que reciclar o lixo doméstico ou ter uma composteira em casa. Não que essa atitude não seja louvável e necessária, mas a profundidade da questão vai muito além. Envolve, por exemplo, a obrigação de estarmos atentos a problemas complexos, como a mudança climática, além do desafio de atender às necessidades da crescente população mundial, mantendo as atividades econômicas sem exaurir ainda mais os recursos naturais do planeta. Atualmente, consumimos 70% a mais desses recursos por ano do que a Terra é capaz de reabastecer no mesmo período de tempo.

Transição é a palavra-chave, e a economia circular é uma aliada nesse contexto.

Bem diferente do modelo linear, baseado em extrair/produzir/descartar, a economia circular busca minimizar a extração de recursos e maximizar sua reutilização. Isto é, visa utilizar produtos e materiais durante o máximo de tempo possível e com o máximo valor para que toda produção, energia, mão de obra e materiais empregados permaneçam funcionais. Para que isso seja possível, aposta-se na manutenção da durabilidade, na reutilização, na remanufatura ou na refabricação e, como último recurso, a reciclagem. Claro que esses conceitos e sua aplicação envolvem colaboração da cadeia produtiva, inovação, pesquisa e desenvolvimento, design, gestão de resíduos e, principalmente, mudança de mentalidade sobre a economia e o meio ambiente.

A urgência em reduzir a emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global encontra na economia circular uma aliada que pode impulsionar essa transição de forma integrada a outros setores, alguns grandes emissores de gases, como transportes, energia, indústrias de transformação e construção civil.

Segundo um estudo da Ellen MacArthur Foundation, realizado em 2019, se aplicássemos estratégias de economia circular a apenas cinco setores – cimento, alumínio, aço, plásticos e alimentos –, já eliminaríamos quase a metade das emissões que precisam ser reduzidas na produção de mercadorias. Seria possível, então, atingir a meta de redução da temperatura de 1,5 ºC, estabelecida pelo Acordo de Paris de 2015. É interessante ressaltar que dos cinco setores citados, quatro são de materiais frequentes na maioria das construções.

A CASACOR São Paulo é um ótimo estudo de caso para o setor, pois tem toda sua estrutura montada em dois meses e desmontada após a exposição ao público. Reconhecida como uma mostra difusora de tendências do universo do morar, a CASACOR identificou que já praticava a economia circular, pois todo o mobiliário que compõe os ambientes é recolhido e devolvido para manutenção e venda. Segue, assim, as orientações de manutenção da durabilidade e da reutilização de materiais. 

Ao desenharmos a Política de Sustentabilidade do evento (coordenada por mim em parceria com nosso consultor da Inovatech Engenharia), decidimos atacar o incômodo gerado pelo desperdício de muitos materiais de demolição das obras dos ambientes. Desta forma, adotamos práticas e regras que pudessem ampliar o emprego dos conceitos da economia circular, estimulando nossos parceiros, arquitetos e construtores a desenvolver técnicas de desmontagem e aproveitamento dos produtos e dos materiais nobres expostos durante a mostra.

Ao longo dos últimos cinco anos, somamos muitas conquistas. Nas duas últimas edições do evento, banimos as construções em alvenaria de blocos e tijolos, pois esse entulho mostrou-se ser um importante fator de geração de resíduos, absolutamente dispensável para construções temporárias. Assim, os arquitetos e seus construtores vêm desenvolvendo projetos inusitados, alguns com a adoção de técnicas de biocontrução, resgatando práticas tradicionais, como a taipa e o superadobe, conciliadas com sistemas contemporâneos. 

Atenta aos conceitos da economia circular, a CASACOR São Paulo trata seus resíduos como nutrientes que são reaproveitados ao máximo. O índice de desvio de aterro sanitário passa dos 99%. Esse número é inédito no Brasil, sobretudo por se tratar de uma obra que gera, em média, 2.000 toneladas de resíduos por edição. Essa conquista se deve às práticas adotadas ano a ano. 

Além da gestão de resíduos e da valorização deles, atualmente executada pela Polzer Ambiental, promovemos a otimização de consumos de água e energia, doamos mais de 146 toneladas de produtos diversos para ONGs e, em 2019, fizemos a compensação de 100% das emissões de CO2

Nada disso teria sido possível sem um afinado trabalho em equipe e a condição de estarmos sediados em São Paulo, cidade que oferece oportunidades para que os materiais de construção tenham destino adequado. Os índices de reciclagem no Brasil vêm aumentando, mas continuam muito baixos se considerarmos o potencial do país em converter todo o resíduo gerado em oportunidade de negócios e de emprego, além de promover um impacto positivo no meio ambiente. 

Uma pesquisa recente do banco ING revelou que 60% dos CEOs norte-americanos pretendiam adotar sistemas de economia circular nas suas empresas. Isso demonstra que o assunto já é pauta de grandes empresários, atraídos, certamente, pelas boas oportunidades lucrativas. Esse sistema de economia circular promove novas demandas por serviços, crescimento e empregos, mais segurança no fornecimento de matéria-prima, redução de custos de materiais etc.   

Entretanto, as estratégias devem ser traçadas a partir do envolvimento de todos: a consciência de consumo da sociedade; a responsabilidade do setor privado de inovar e apresentar soluções e novos materiais; e, ao Estado, cabe adotar políticas públicas, fazer cumprir a legislação e executar a gestão eficiente dos resíduos. 

A menos que mudemos drasticamente a forma de produzir e de consumir, não será possível deter a mudança climática e seguiremos nesse caminho que compromete nossa sobrevivência no planeta. Assim, voltamos ao início da nossa fala, que detectou a premência de repensarmos nosso modo de vida com o objetivo de alcançarmos o bem-estar. 

Por menor que seja a sua atitude, comece a pensar e a agir em prol dessa transição. Não existe outra maneira de viver de forma sustentável em nosso belo planeta se não promovermos uma revolução total na forma como geramos e calculamos o valor que é mais importante: a vida!

 

* Arquiteto e gestor de Sustentabilidade da CASACOR.