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Dos trilhos do desenvolvimento insustentável às trilhas da sustentabilidade

by rafaelteoc

Maria de Fátima Mendonça*

Sob o impacto de uma pandemia devastadora sem fronteiras, a humanidade se debate em mais uma crise multidimensional que nos convoca a reflexões sobre o nosso estilo de vida pós-moderno e a uma inflexão acerca da história do desenvolvimento humano, que vem comprometendo a sustentabilidade da vida no planeta.  

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2020 (RDH 2020), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), declara que esta pandemia é uma resposta da natureza à pressão dos seres humanos aos ecossistemas, que, nos últimos tempos, só tem aumentado, tanto em escala quanto em intensidade (PNUD, 2020). De acordo com os cientistas, a menos que aliviemos essa pressão à natureza, novos vírus tão mortíferos quanto o coronavírus podem surgir. 

O RDH 2020 destaca, ainda, que, embora a atenção da humanidade esteja focada na pandemia de Covid-19, três crises interligadas estão ocorrendo simultaneamente no planeta e demandam ações emergenciais: mudanças climáticas; perda da biodiversidade e colapso da natureza; e poluição do ar, do solo e da água (PNUD, 2020). Para Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), no longo prazo, essas crises irão causar mais dor do que a Covid-19 (DIRETORA…, 2021). 

Com os impactos negativos das atividades humanas que vem sofrendo ao longo do tempo, a natureza está dando sinais de exaustão: secas extremas, tsunamis e furacões devastadores, incêndios de grandes proporções na Amazônia, na Austrália, no Pantanal brasileiro, no Leste da Sibéria, na Federação Russa e na Costa Ocidental dos Estados Unidos, que comprometem a biodiversidade planetária. O Pnud adverte acerca do problema de extinção de espécies em massa: “o sexto na história do planeta e o primeiro causado por um único organismo – nós” (PNUD, 2020).

De acordo com o Relatório Planeta Vivo 2020, elaborado pela WWF, as nossas atividades têm destruído e degradado florestas, campos e áreas úmidas, tanto é que “setenta e cinco por cento da superfície terrestre sem gelo do nosso planeta já foi significativamente alterada; a maior parte dos oceanos está poluída; e mais de 85% das áreas úmidas foram perdidas” (WWF, 2020). O estudo ainda expõe que a pegada ecológica da população humana já ultrapassou a capacidade de regeneração da Terra, desde 1970, e esse excesso “corrói a saúde do planeta e, com ela, o futuro da humanidade” (WWF, 2020). 

Desde a segunda metade do século passado, estudos científicos têm demonstrado a insustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento hegemônico. O mais recente foi o Relatório Brundtland (1987), conhecido no Brasil como “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável: “é aquele que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (ONU, 1987). 

Com base nesse estudo, em junho de 1992, o Rio de Janeiro sediava a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92). Desse evento histórico, além de várias decisões e convenções, nasceram dois importantes documentos: 1) a Agenda 21, que apresenta 2.500 recomendações para a implementação do desenvolvimento sustentável; e 2) a Carta da Terra, uma declaração de princípios globais para orientar a questão do meio ambiente e do desenvolvimento. 

Dez anos após a Eco-92, foi realizada a Rio+10, em Joanesburgo, mas os avanços das decisões da Rio+10 não foram tantos quanto se esperava; além dos debates sobre aspectos ambientais, sociais e econômicos, cobrava-se a prática efetiva da Agenda 21, que pouco havia avançado até então.  

Em 2012, o Brasil sediava a Conferência das Nações Unidas Rio+20, com a expectativa de reativar grandes discussões e decisões acerca da preservação ambiental e da melhoria da qualidade de vida para as atuais e futuras gerações. Contudo, o que se percebeu é que os líderes mundiais não trataram o desenvolvimento sustentável com o caráter de urgência que seria necessário.

Todavia, cabe ressaltar um ponto positivo da Rio+10: a decisão de elaborar uma Agenda com objetivos e metas para o desenvolvimento sustentável. Em 2015, a Agenda 2030 foi aprovada pela Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, apresentando os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas a serem alcançadas até 2030.  

Embora essas iniciativas representem avanços importantes no contexto mundial, entendemos que não são suficientes, pois, enquanto não ocorrerem transformações de consciência nos indivíduos, não lograremos êxito nas transformações econômicas, sociais e ambientais pretendidas. 

Cabe reconhecer que o progresso material trouxe muitos benefícios para grande parte da humanidade (redução da miséria e dos níveis de pobreza; melhoria dos indicadores de saúde, e de educação; facilidades de comunicação, de transportes e de tecnologia de informação), mas os resultados dos impactos sociais e ambientais dos seus processos sinalizam que precisamos mudar de rota, pois a natureza vem dando recorrentes sinais de exaustão. 

Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) divulga que “a economia global cresceu quase cinco vezes nas últimas cinco décadas, a um custo enorme para o meio ambiente global” (PNUD, 2020), mesmo diante de tantos estudos, discussões e alertas, deixa claro que a atual lógica econômica neoliberal tem dificuldades para mudar e, sem essas mudanças, as crises sistêmicas tendem a se agravar no futuro próximo, com consequências negativas tanto para as gerações atuais quanto para as futuras. 

Contudo, no atual momento histórico, em meio a uma pandemia que nos expõe a um território de riscos e perigos, a instabilidades e incertezas, com o agravante das crises econômicas, sociais e ambientais, está evidente que todos nós estamos diante de um destino comum, e que nos encontramos em uma encruzilhada civilizatória, diante de um dilema coletivo: prosseguiremos com esse modelo de civilização insustentável e autofágico rumo à extinção ou nos transformaremos em uma civilização sustentável e em paz com a natureza? 

Essas questões requerem uma profunda reflexão acerca da nossa responsabilidade, individual e coletiva, com as escolhas que fazemos no presente, especialmente as políticas, e com a qualidade do relacionamento que estamos tendo conosco, com os outros e com a natureza. De uma coisa nós já sabemos: os problemas estão se agravando e as respostas para eles não têm sido adequadas. Sem um salto quântico em nossa consciência para nos libertarmos da hipnose do materialismo reducionista e para promovermos mudanças em nosso estilo de vida, não teremos saída.

Referências

DIRETORA executiva do Pnuma alerta para emergência climática e modelo para futuro sustentável. ONU News, 18 fev. 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/02/1741962. Acesso em 29 abr. 2021. 

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum – Relatório Brundtland. Nova Iorque: ONU, 1987.

PNUD – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório de Desenvolvimento Humano 2020. Brasília: Pnud, 2020.

WWF. Relatório Planeta Vivo 2020. Brasília: WWF, 2020. Disponível em: https://livingplanet.panda.org/pt-br/?_ga=2.147396917.309931195.1620826421-1185392730.1620826421. Acesso em: 30 abr. 2021.

 

* Consultora em gestão social, psicoterapeuta transpessoal, palestrante e facilitadora de programas de educação ambiental, gestão social e criatividade e valores humanos.