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O Direito Ambiental dos Recursos Hídricos

by rafaelteoc

A outorga de direitos de uso da água na prática

Todo o debate relativo à temática a envolver o Direito Ambiental dos Recursos Hídricos é importante para os nossos parceiros, como profissionais interessados ou também chamados de stakeholders em uma sustentável gestão de recursos ambientais.  

A problemática da água está na ordem do dia. Basta constatar que, conforme o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, de 21 de março de 2021, “o uso global de água doce aumentou seis vezes nos últimos cem anos e, desde a década de 1980, continua a crescer a uma taxa de cerca de 1% ao ano. Muito desse crescimento pode ser atribuído a uma combinação de crescimento populacional, desenvolvimento econômico e mudanças nos padrões de consumo. O Grupo de Recursos da Água 2030 concluiu que o mundo provavelmente vai enfrentar um déficit hídrico global de 40% até 2030, em um cenário ‘sem alterações’ (business-as-usual)”. 

No entanto, não é só. No nosso país, levando em consideração o Boletim de Monitoramento de Secas e Impactos no Brasil, de abril de 2021, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), “houve um aumento das áreas com condição de estresse hídrico para todas as regiões. A região com o maior percentual de área vegetada com estresse hídrico é a Sul, que mais que dobrou, atingindo 41,3% (238 mil km²), em abril. A Região Sudeste teve 25,3% (233 mil km²) da área vegetada com condição de estresse hídrico, um aumento em relação ao mês anterior (20,3%). As regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte apresentaram, no mês de abril, uma redução da área vegetada com condição de estresse hídrico, com respectivamente 18,1% (290 mil km), 11,7% (181 mil km) e 6,8% (262 mil km)”. 

A verdade é que “muitas gerações de brasileiros foram educadas com a percepção de que a água e o ar, v.g., são recursos abundantes, inesgotáveis e sem valor econômico” (MILARÉ, 2018, p. 1188). Vale lembrar que, num contexto jurídico, a água era vista como ‘objeto’, sem valor econômico. Um famoso exemplo didático de res nullius (coisa de ninguém). Todavia, salienta-se que tal visão errônea não é mais aceita. 

Assim, o Brasil paulatinamente vem construindo seu acervo jurídico-normativo no domínio. A Constituição Federal de 1988 trouxe à lume uma visão diferenciada (se comparada com as Cartas anteriores), uma vez que a água é um bem econômico para a coletividade e, por consequência, merecedora de proteção, de melhor captação, de aproveitamento e de gestão atual, moderna. 

De acordo com os princípios reconhecidos pela Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento em Dublim, em 1992, deve-se ter em mente que valorar e valorizar a água, diante de sua finitude e vulnerabilidade, conforme o artigo 3º, V, da Lei 6.938/81, que regulariza a Política Nacional do Meio Ambiente, são objetivos a serem exaustivamente perseguidos pelo Poder Público, em específico pela Agência Nacional de Água – ANA (órgão técnico, executivo e implementador da Política Nacional de Recursos Hídricos), pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e pelos órgãos e integrantes do âmbito Municipal, que atuam também com seus poderes delegado e próprio. Nesse sentido, com base no princípio democrático, conta-se ainda com os atores-chave do setor, os usuários e a comunidade. Em todo caso, a gestão da água deve ser efetivamente descentralizada e participativa.

Nessa ordem de ideias, vislumbra-se mostrar não só a relevância do assunto envolvido, mas também clarificar duas dúvidas de gestores de atividades econômicas que se utilizam dos recursos hídricos.

Tais dúvidas são interessantes e práticas sobre a outorga de direitos de uso da água. Escolheu-se tal assunto por dois motivos: 

  • Primeiro, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos constitui um instrumento importante para assegurar o controle quantitativo e qualitativo do uso da água, diante de preocupações constantes, como por exemplo a luta contra a poluição, a busca incessante pelas questões da qualidade da água e, por conseguinte, pela limitação das emissões de substâncias que degradam o meio ambiente. O mecanismo de outorga está previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos, que está amparada pela Lei 9.433/1997, conhecida como a Lei das Águas.
  • Segundo motivo, para se colocar em prática a outorga, de modo certo e principalmente seguro para aquele que tem a obrigação de solicitar junto ao órgão estatal específico a autorização de uso de água em seu empreendimento, se faz necessário, desse já, adequado assessoramento jurídico. 

Indaga-se, assim: há integração entre a outorga do direito de uso da água e o licenciamento ambiental? Falar de uma integração entre os instrumentos de outorga e de licenciamento constitui uma tarefa ponderada e técnica. 

Nesse contexto, se torna obrigatória, por um lado, a outorga nos casos de derivação ou extração de água, lançamento de efluentes, aproveitamento hidrelétrico e outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d’água (artigo 11 da Lei das Águas). Por outro, existem diversas atividades e empreendimentos que se utilizam dos recursos hídricos e, por vezes serão objetos do procedimento administrativo de licenciamento ambiental, por ser, em verdade, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental (artigo 2º, I, da LC 140/2011).

 Assim, conforme a Resolução CONAMA 237/1997, artigo 10, parágrafo 1°, a outorga do direito do uso de recursos hídricos deverá ser feita previamente no tocante ao licenciamento ambiental. Isso significa que no procedimento de licenciamento deverá constar, obrigatoriamente, a certidão, declarando a outorga para o uso da água. 

No entanto, insta salientar que a outorga será preventiva. A concessão da licença ambiental deverá ser dada, num primeiro momento, para então e só depois, futuramente, o uso da água ser feito, sob pena de suspensão punitiva definitiva, que implica cassação da outorga. 

Não bastando este, há um outro questionamento bastante pertinente e merecedor de destaque, tal como: a autorização do uso de recursos hídricos dá ao outorgado um direito adquirido? 

Sem descurar da objetividade que a presente dúvida exige, vê-se imprescindível deixar claro, desde logo, que a outorga do direito é posta por prazo determinado, não podendo exceder 35 anos. Por consequência, se existe a possibilidade de suspender parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, o direito de uso da água, então tal direito não é adquirido. Sendo o direito de uso revogável!

Entende-se que esclarecer dúvidas de partes interessadas parece ser um caminho bem facilitador, pois contextualiza e traz para a prática o assunto em pauta. Sabe-se, em todo caso, que o Direito Ambiental dos Recursos Hídricos tem grande relevância na atualidade, com suas notáveis modificações e, por vezes precisa de uma rede social atuante, composta por profissionais ativos. 

Rafaela Benevides

Doutora em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito pela Toledo/SP. Graduada em Direito pela UFMS. Representante da OAB/SJBV/SP na área de parcelamento e utilização do solo. Membro do CONDEMA/SJBV. Professora, Avaliadora e Revisora de periódicos científicos. Advogada ambiental. 

 

 

 

 

 

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