Gabriela Diaz*
“A arte, a natureza, o corpo humano e a psique
humana estão tão intimamente relacionados
que é impossível pensar em um
sem ser lembrado do outro.”
Marshall Mcluhan
Educar para a sustentabilidade envolve uma reorientação da nossa visão de mundo, pois devemos ver a educação como espaço de inserção do indivíduo, não em uma comunidade local, mas em uma que seja local e global ao mesmo tempo, isto é, em uma aldeia global. Essa comunidade é vibrante e sustentada por uma teia de relações. Dessa forma, constitui-se como uma população consciente das inter-relações com o meio ambiente. É importante ressaltar que a humanidade dependerá de uma alfabetização ecológica para sua própria sobrevivência, e que o desligamento psicológico da sociedade atual com a natureza é o ponto de partida para começarmos a repensar o nosso sentido quanto aos seres humanos.
Nos últimos anos, por meio do meu ofício educacional, estive sistematicamente em contato com problemas relacionados à ausência de uma educação sustentável e ambiental no currículo básico. A partir do meu trabalho como arte-terapeuta e professora de artes, da educação infantil ao ensino médio, foram suscitados muitos questionamentos ligados ao universo da sustentabilidade, como, por exemplo, da ativista Greta Thunberg: “Para que devemos ir à escola se não teremos um futuro?”.
Partindo dessa premissa e em paralelo ao momento atual pandêmico da humanidade, percebi o quanto as propostas expressivas, de cunho artístico, conectadas aos conceitos de sustentabilidade no ambiente educacional, demonstram resultados positivos para a inquietude da psique humana. Como ressalta Roszak (1992), o elo entre ecologia e psicologia evidencia que a ecologia está para a psicologia, assim como a psicologia está para a ecologia. Essa união está estabelecida pela concepção do eu ecológico, que é chamada, pelo historiador, de “ecopsicologia”, expressando a conexão profunda entre os dois campos. De acordo com o autor, o vínculo entre uma percepção ecológica de mundo e o comportamento corresponde não é somente uma conexão lógica, mas psicológica.
Para Capra (2006), “a lógica não nos persuade de que deveríamos viver respeitando certas normas, uma vez que somos parte integral da teia da vida. No entanto, se temos a percepção (ou a experiência) ecológica profunda de sermos parte da teia da vida, então estaremos (em posição e deveríamos estar) inclinados a cuidar de toda natureza viva”. Essa percepção acontece, pois a ecologia profunda (pensamento filosófico de Arne Naess) aflora de forma integrativa e positiva a percepção ambiental do indivíduo, evidenciando, a partir da retomada de consciência do ser humano pelo ambiente, o que vai interferir na forma com que o homem interage e protege a natureza, reconhecendo-a como extensão de seu próprio corpo.
Sendo assim, as propostas expressivas/artísticas, de algum modo, sensibilizam o ser humano. A “arte” (livre do julgamento estético) pode auxiliar de forma construtiva as premissas de uma educação sustentável. Devido à capacidade de sensibilização promovida pela arte (liberdade expressiva por meio de ferramentas artísticas), as propostas educacionais artísticas são uma das possibilidades que favorecem a comunicação necessária para o encontro do ser humano com seu inconsciente e, consequentemente, podem mobilizar um olhar emotivo/sensível para com a natureza. Para estimular e propiciar esse olhar sensível, pode-se usar a dança, o ato teatral, a música e as criações plásticas (escultura, pintura, colagem, desenho, entre outras expressões manuais) como diálogo de pertencimento ao ambiente natural, sendo uma opção plausível. Antes de saber ler e escrever, a criança precisa ser alfabetizada ecologicamente: “Ser ecologicamente alfabetizado, ou “ecoalfabetizado”, significa entender os princípios de organização de comunidades ecológicas (ecossistemas) e usar esses princípios para criar comunidades humanas sustentáveis” (CAPRA, 2006).
Para Arne Naess (1973) , o único jeito de sensibilizar o homem para o problema ambiental é dar a ele, desde criança, a chance de entrar em contato com a natureza. Não importa se esse contato será feito em um pequeno pedaço; o importante, de fato, é que esse pedaço não esteja sob o domínio do homem, que seja uma natureza selvagem, intocada pela mão transformadora e degradadora do racionalismo humano. Assim, pode-se dizer que “a Terra educa”. Portanto, é importante inserir as crianças em ambientes naturais e deixá-las se expressarem livremente. Esse primeiro contato com a Terra (seja com o mar, seja com a lama, seja com o rio ou seja com a mata, reconhecendo essa biodiversidade como um organismo vivo), por ventura, gerará esse pertencimento.
Portanto, as ferramentas expressivas artísticas entram no contexto da alfabetização ecológica de forma lúdica para retomar alguns diálogos, vivenciados no ambiente selvagem, para que seja “efetivada” sua autoconscientização, tornando essa experiência parte do seu próprio repertório de mundo, culminando na formação de cidadão planetário – termo que surge com novo paradigma na construção do saber humano. Tendo tido contato na infância, na adolescência, existe uma grande chance de essa criança não se render às ilusões do sistema consumista que nos leva a tal sociedade decadente econômica e psicologicamente.
Dessa forma, aprender a agir ecoalfabetizado será, em consequência, a maneira de reinventar e recriar novas realidades das múltiplas formas possíveis com a busca pelo equilíbrio dinâmico que os seres levam consigo. Sendo assim, significa o desenvolvimento das próprias habilidades com potencialidade para a total sustentabilidade do “eu” nos níveis pessoal, social, ecológico e expressivo.
Referências
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2006.
ROSZAK, Theodore. The Voice of the Earth: an exploration of ecopsychology. New
York: Simon & Schuster, 1992.
NAESS, Arne. The shallow and the deep, long-range ecology movement. A summary. Inquiry, v. 16, n. 1, p. 95-100, 1973.
* Arte-terapeuta, artista e professora de artes.