Celso Grecco*
Conta a história que, durante um período da vida, Agostinho, aquele que viria a ser proclamado santo, rezava a Deus pedindo: “Senhor, dai-me a continência e a castidade. Mas não agora”.
Agostinho vivia um dilema. Quanto mais lia as cartas de São Paulo, mais se sentia comovido e mais admirava aquela doutrina. Mas ainda não havia encontrado maneira de libertar o seu espírito do turbilhão dos seus sentidos. Prazeres e impulsos o faziam se sentir preso ao pecado.
Trazendo para os dias atuais, empresas precisam entregar resultados financeiros. Mas, cada vez mais, a busca pela definição de um programa de sustentabilidade tem sido o mantra dessas instituições. Qual seria a razão dessa busca?
Muitas empresas já entenderam que a valorização dos conceitos da sustentabilidade e o cuidado com o impacto social da sua atividade são um conjunto de qualidades fundamentais para a atração e a retenção de talentos, além de serem pilares da reputação perante acionistas, investidores e sociedade. No entanto, grande parte delas ainda vive o mesmo dilema de Agostinho: admiram e se comovem com a doutrina da sustentabilidade, mas não sabem como se libertar dos outros prazeres e impulsos. Ao se darem conta do caminho a ser tomado e das renúncias imediatas nessa construção de longo prazo, pedem: “dai-me, mas não agora”.
Isso se dá porque a implantação de um robusto programa de sustentabilidade não diz respeito apenas às questões ambientais, como cuidar da água ou não poluir o ar. O ponto de partida é a revisão dos processos da empresa de compra de matéria-prima, processamento, fabricação, embalagem, distribuição e descarte de resíduos. Passa pela medição, pela avaliação e pela mitigação dos impactos ambientais da sua atividade, que precisam ser publicados e revistos o tempo todo. Passa, também, pela forma como ela contrata, como demite, como são os planos de progressão de carreira, como lida com questões de igualdade de gênero e de minorias, quantas mulheres estão em cargos de direção e qual é a diferença entre o maior e o menor salário na empresa.
No passado, as empresas criaram os departamentos de responsabilidade social porque era necessário gerir a filantropia corporativa empresarial. Ser uma empresa socialmente responsável parecia ser, também, a maior contribuição da empresa para a sociedade. Eventualmente, apoiar ações ambientais aqui e acolá.
Mas o mundo entrou em descompasso. Quando começamos a nos dar conta de que consumimos quase duas vezes aquilo que o planeta é capaz de produzir ou regenerar, e que recursos naturais, como água e árvores, além de escassos, caminham de forma cada vez mais acelerada para um comprometimento irreversível, vimos colocada em risco a nossa própria subsistência.
Por isso, não basta que cada pessoa economize água fechando a torneira, ou que plante árvores em parques públicos. O impacto disso é mínimo, ínfimo diante de um sistema produtivo que seja um predador ambiental.
Volto a Agostinho, que venceu seus receios e tornou-se Santo Agostinho, para fazer a pergunta título deste artigo: será que queremos ser santos?
Nenhuma caminhada é fácil. No caso da sustentabilidade, mais do que uma caminhada, ela é uma jornada. Tem que começar. No início não vai ser perfeito, vai doer um pouco, mas há alguma redenção no caminho e ao final. Se você está em posição de trazer esse tema para sua empresa, seja o líder dessa jornada. Outros líderes, em outras empresas, que já se colocaram nesse caminho, também já provaram que vale a pena para eles, para as empresas em que atuam e, principalmente, para o nosso planeta.
Não sei se seremos todos santos, mas não tenho dúvidas de que seremos bem melhores.
* Consultor em responsabilidade socioambiental, sustentabilidade e gestão de reputação.